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quarta-feira, 25 de abril de 2012

Estágio Interdisciplinar de Vivência: o conhecimento como prática (r)evolucionária


Vinícius Fruscalso Maciel de Oliveira¹

Companheiros: é com muita satisfação que lhes escrevo este texto para falar sobre o IX EIV Santa Maria – RS, que foi realizado entre os dias 01 e 22 de fevereiro de 2012, em áreas de assentamentos do MST no estado do Rio Grande do Sul. Quem organiza o estágio é uma comissão formada por acadêmicos da UFSM e que se renova a cada ano, assim como os estagiários (que não precisam ser necessariamente estudantes da UFSM). O estágio sempre é dividido em três períodos: preparação, vivência e avaliação.
A parte da preparação teve início no dia 02/02 e término dia 06/02. Nessa primeira etapa aconteceu uma preparação “teórica”, na qual foi-se abordado temas como: estrutura da sociedade capitalista, questão agrária, questão indígena, questão quilombola, gênero, modelos de desenvolvimento entre outros através de filmes, debates, palestras e místicas. Tudo isso para os estagiários entenderem o que é o MST, quais suas bandeiras, suas complexidades, suas contradições e acima de tudo para entendermos como funciona a sociedade em que vivemos. Certamente sem essa preparação o EIV ficaria incompleto e com uma certa ausência de sentido. O estagiário precisa saber exatamente o que está fazendo ali.
As vivências começaram dia 08/02 e terminaram dia 16/02. Nesse período, cada estágiário ficou em um assentamento diferente, em diferentes cidades do estado do RS. Fiquei na cidade de Candiota, no sul do estado e tomei um choque de realidade: somente em Candiota existem 27 assentamentos, o que ilustra bem o tamanho da desigualdade de terras da região Sul do Estado. Cada família Sem-Terra possui aproximadamente 20 hectares de terra e poucas possuem implementos agrícolas que atendam as suas necessidades. A maioria dos agricultores possuem vínculo com a Bionatur, que é uma cooperativa de sementes agroecológicas.
Percebi em grande parte dos assentados uma espécie de “germe” de comunismo/anarquismo inconsciente, através de frases como: “Aqui a gente se governa”, “Aqui se tem liberdade”, “Sou meu próprio patrão”. E um apego à terra conquistada impressionante que gerava frases como “Só saio daqui dentro de um caixão”. Além de um sentimento de orgulho muito grande de ser protagonista da própria história, de ter lutado e conseguido melhorar de vida. Mas é claro que nem tudo são rosas, e existem muitos problemas nos quatro assentamentos que visitei em Candiota. Porém, o que me espantou foi a tranquilidade dos assentados para falar sobre os problemas. Fazem questão de contar a quem é de fora do assentamento. Os problemas mais citados foram a questão da falta de estrutura na parte da saúde, falta de crédito para financiamento da safra e de implementos agrícolas, arrendamentos de terra por uma minoria dos assentados e descaso dos governos para com os assentados.
A avaliação iniciou dia 18/02 e encerrou dia 21/02. Nesse tempo, foi socializado as vivências de cada um dos estagiários, para se retirar algum tipo de encaminhamento/conclusão. Além disso, foram tratados temas como desafios da reforma agrária, sociedade e universidade, juventude, movimento estudantil. Também realizou-se no último dia (21/02) uma visita a um acampamento do MST na cidade de Julio de Castilhos, na qual infelizmente não pude estar presente.
Viu-se claramente um amadurecimento teórico/intelectual de todos os estagiários, mas principalmente daqueles que não eram acadêmicos de cursos ditos “humanos”. Para aqueles que nomes como Marx, Hegel, Engels, Kropotkin assim como conceitos como mais-valia, dialética e força de trabalho eram desconhecidos. E essa mudança tem desdobramentos práticos como a valorização do trabalho coletivo, respeito ao próximo, preocupação com o bem-estar social, entre outros. Enfim, pode-se afirmar que o Estágio Interdisciplinar de Vivência muda a vida dos estagiários e sua visão de mundo. E é transformando as pessoas e unindo-as que se revoluciona a realidade.

¹Acadêmico do curso de Licenciatura em História pela UFFS – Campus Erechim. vinimisura@gmail.com

Um comentário:

  1. Grande Vinão, que baita experiência você teve meu camarada(prometo-lhe que neste ano tentarei ao máximo participar também). Admiro sua vontade em sentir na pele um pouco do que nossos camaradas do campo passam cotidianamente, ao passo que nós, na cidade,"universitários" com uns discursos "revolucionários", mantemos nossas bundas sentadas todos os dias nas cadeiras dando-a uma forma achatada e, muitas vezes nos achamos os "grandes pensadores", falamos e pensamos em revolução, e mantemos uma noção de realidade passada pela mídia. Só que na realidade, nem ao menos fazemos noção do que eles passam em seu dia á dia. Experiências como essas que você teve, são essenciais para realmente se conceber e lutar por outro modelo de sociedade, por outras sociabilidades. Em meio a nossas teorias, muitas vezes não enxergamos que pessoas possam estar vivendo-as sem ao menos jamais terem ouvido sobre tal, como você mesmo apresentou. É por isso, e muito mais, que devemos buscar estreitar os laços entre universidade e sociedade civil, a fim de formar um único "ser".
    Grande Abraço Vinão.
    OUSAR LUTAR!
    OUSAR VENCER!

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