Este blogue integra uma das ferramentas comunicacionais do Grupo de Pesquisa "Anticapitalismos e Sociabilidades Emergentes" da UFFS - Campus Erechim, do qual participam professores e acadêmicos dos cursos de Licenciatura em História, Geografia e Ciências Sociais. O mesmo desenvolve suas atividades em franco diálogo com o Grupo de Trabalho homônimo do Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (CLACSO).
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
DEMOCRACIA E AUTOGESTÃO: oposição ou afinidade?
Auto -organização dos trabalhadores
Josiane da Silva
Acadêmica do 4º semestre do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais
Esse trabalho tem por objetivo analisar muito brevemente a experiência de autogestão dos trabalhadores aqui no Brasil na região de Curitiba.
Esse filme trata da vinda de imigrantes italianos para o Brasil. Em 1887 Dom Pedro II imperador brasileiro, faz doação de um pedaço de terra para Giovanni Rossi, protagonista do filme, anarquista que tem por objetivo fazer uma experiencia de formar uma comuna auto gestionária organizada pelos próprios trabalhadores.
A terra doada, situada em Palmeira no Paraná, no Brasil na região de Curitiba, chamada Cecilia local esse que se instalaram Italianos entre eles dez homens e uma mulher. Chegando no local tudo era mato, o principal meio de subsistência era a agricultura, juntaram suas economias para comprar ferramentas necessárias para arar a terra, bem como comprar gados e sementes para começar o plantio.
Nas terras de Cecilia as construções, o plantio e as discussões eram realizadas por todos os integrantes da comuna de forma horizontalizada, de modo que não existiam lideres entre eles.
A organização politica começa a se modificar com a chegada das famílias, que não tinham conhecimento do processo da organização gestionária e coletiva que acontecia ali, ocasionando divergências politicas, competições entre as famílias ocorrendo uma ruptura ideológica entre os moradores de Cecilia.
A moralidade vinda do segmento religioso, contribuiu para que acontecesse o rechaço entre as famílias, a dominação patriarcal ganha força , a falta de alimentos causou afastamento de algumas famílias, que se mudaram sem rumo algum procurando outro local para morar.
O imperador foi deposto e se instaurou o governo republicano, que estrategicamente botou preço na terra e ordenou que o pagamento fosse feito . Os homens foram obrigados a trabalhar numa pedreira para poder pagar a divida, deixando-os revoltados por voltarem a ter patrão.
Analise do filme
O intuito da comuna era baseado na organização social, sem Estado, sem lideres, apenas mantida pelos próprios trabalhadores. As coisas se modificam com a chegadas das famílias que formam círculos menores, fechados entre si, de modo que o individualismo foi ficando cada vez mais forte, a função da mulher é resumida em cuidar dos filhos e da alimentação, o processo de igualdade entre os sexos não existe, no caso de algumas famílias a teoria anarquista de autogestão fica apenas no discurso, isso acaba dividindo a comunidade.
Segundo Nildo Viana” a autogestão é uma relação de produção que se generaliza e se expande para todas as outras esferas da vida social. A autogestão inverte a relação entre trabalho morto e trabalho vivo instaurada pelo capitalismo e assim, instaura o domínio do trabalho vivo sobre o trabalho morto. A autogestão significa que os próprios ' produtores associados' dirigem sua atividade e o produto dela deriva. Abole-se, o Estado, a democracia representativa, as classes sociais, o mercado, etc., já que com a autogestão abole-se a divisão social do trabalho. Consequentemente, abole-se a divisão da ' economia' 'politica', etc.” ( Viana, 2007)
Nessa perspectiva, as relações sociais devem ser horizontalizadas no seu total, com as relações de produção conduzidas pelos trabalhadores, todos representam-se com poder igual , fugindo da logica capitalista de competição entre os trabalhadores, sendo que os mesmos tem dependência mutua.
Em seu livro Ajuda mutua Kropotkin (2009) ressalta a importância da organização autônoma dos trabalhadores fica evidente na citação a seguir:
“O dia em que devolvessem os instrumentos de produção a todos, em que as tarefas fossem comuns e o trabalho –ocupando o lugar de honra na sociedade produzisse bem mais do necessário para todos, como duvidar de que esta tendência alargará sua esfera de ação até chegar a ser o princípio mesmo da vida social? Por esses indícios somos do parecer de que, quando a revolução tenha quebrantado a força que mantém o sistema atual, nossa primeira obrigação será realizar imediatamente o comunismo. Mas nosso comunismo não é o dos falansterianos nem o dos teóricos autoritários alemães, senão o comunismo anarquista, o comunismo sem governo, o dos homens livres. Esta é a síntese dos dois fins perseguidos pela humanidade através das idades: a liberdade econômica e a liberdade política.” (kropotkin, 2009)
Portanto, o processo politico de autogestão tem por objetivo lutar coletivamente por uma liberdade de organização, em que não seja necessário a existência de representantes fixos que possuem poder de deliberação, mas sim que seja num mandato imperativo , construído por indivíduos com vontades comuns e objetivos comunitários.
A autogestão é sistema que busca uma mudança nas estruturas politicas, uma resistência a dominação capitalista heteronômica. Entretanto a horizontalidade deve acontecer em todos os segmentos da sociedade, para que realmente exista confiança reciproca entre os indivíduos, ocasionando desta forma igualdade politica entre todos os trabalhadores e trabalhadoras.
Referencias
VIANA, Nildo. Democracia e Autogestão. Achegas- Revista de Ciências Políticas, num 37, 2007.
PIOTR, Kropotkin. Ajuda mútua: um fator de evolução ; tradução Waldyr Azevedo Jr. — São Sebastião : A Senhora Editora, 2009.
COMOLI, Louis Jean. Filme La Cecília, Nef Diffusion, 1975.
Cecília – A Experiência
Acadêmica Sandra Ferreira
Acadêmica do 4° semestre do Curso de Ciências Sociais - Licenciatura
UFFS - Campus Erechim
Breve diálogo entre o texto Democracia e autogestão de Nildo Viana, sociólogo e filósofo, e o filme La Cecília de Jean Louis Comoli.
O filme Cecília conta a saga de imigrantes italianos que vêem na experiência anarquista proposta por Giovanni Rossi a possibilidade de uma nova vida longe das dificuldades na Itália.
Diante da oferta de D. Pedro II, que via na proposta a chance de elevar a mão de obra barata sem maiores responsabilidades para o governo na colonização do Brasil, que então, já havia passado pelo processo de libertação dos escravos, Rossi pensou ter nas mãos, a chave para o sucesso de sua experiência: terras férteis, longe de interferências culturais e garantias de autonomia para seu intento.
Organizou um primeiro grupo de anarquistas dispostos a transpor o oceano e em terras brasileiras iniciou o que se chamaria Colônia Cecília, na cidade de Palmeira no Paraná, em 1890.
Em 1891, por dificuldades, tais como, o longo tempo entre plantio e a colheita do milho, a falta de maquinário e o aumento sem planejamento de moradores que então chegava à casa dos 250 habitantes na colônia, e consequentemente a escassez de alimentos, acontece a primeira derrota nos ideais da colônia, e o abandono do projeto por muitas famílias que foram em busca de trabalho em outras propriedades como alternativa de sobrevivência.
Em 1892, aproximadamente sessenta pessoas permaneciam em Cecília, mantendo o caráter anarquista da colônia. Nesse ano o trabalho comunitário girava em torno da uva, plantio, fabricação dos produtos derivados e barris, o que garantia o sustento da colônia.
Mas as transformações políticas pelas quais o país passou, esmagaram seus moradores, levando-os à miséria e ao fim da experiência em 1894.
Nildo Viana em seu artigo Democracia e autogestão, nos convida a refletir sobre a impossibilidade do sucesso da autogestão aplicada restritamente a relações sociais econômicas e políticas em um novo modelo de sociedade, mas necessariamente abrangendo todas as esferas da vida social.
“A autogestão é uma relação social fundante de uma nova formação social, uma nova sociedade” (Viana, 2007).
“A autogestão é uma relação de produção que se generaliza e se expande para todas as outras esferas da vida social.” (Viana, 2007).
Olhando para Cecília, a organização econômica da colônia, que conseguiu com o trabalho comunitário sustentar as necessidades dos seus moradores com casa, alimento e tudo o mais sem recorrer a ajuda de recursos externa à própria colônia, contemplou os princípios anarquistas da autogestão.
O mesmo aconteceu com relação à organização política, durante todo o tempo em que Cecília existiu enquanto comunidade anarquista, não houve verticalidade nas decisões. Todos gozavam, homens e mulheres dos mesmos direitos de decisão.
Então, onde está o problema? Não poderia ser também a questão das mudanças políticas no país que forçavam os imigrantes a comprar as terras que antes lhes tinham sido dadas pelo Imperador. Sem desprezar todo sacrifício feito,a ira pela injustiça sofrida, o prejuízo material e moral que isso acarretou pelo abuso das cobranças impostas, não seria motivo forte o bastante para sozinho, levar quatro anos de trabalho que fizeram a experiência ser considerada um sucesso, ao final, sem chances de ressurgir das cinzas, afinal não era esta a primeira vez que os anarquistas de Cecília passavam por privações extremas. Teria que ser algo mais poderoso e invisível ao primeiro olhar.
A razão está, creio, no “social”, na primeira célula da sociedade – a família!
Voltando ao início da colonização de Cecília, percebemos que seus primeiros moradores eram ali, livres, sem laços familiares, filhos, esposas, tudo isso tinha ficado para trás, na Itália. Eram pessoas integralmente livres, sem os constrangimentos e obrigações sociais que a família impõe a cada um dos seres humanos.
A moralidade, os preconceitos, as limitações sociais, a educação, os valores morais, sociais, religiosos, econômicos, políticos, de gênero, estão todos historicamente associados à ideia, à concepção de família.
O poder patriarcal, a submissão feminina, a propriedade sobre o corpo e os atos do outro, a própria visão do outro enquanto semelhante ou diferente; enquanto companheiro ou adversário; a desconfiança, a individualidade não como direito de cada um mas algo que se pode medir e pesar, valorar. Tudo o que se aprende desde o momento do nascimento e que se reproduz até a morte, vivendo em sociedade está garantido perpetuamente pela família, seja essa família pertencente a uma sociedade feudal, ou capitalista.
Todos esses conceitos de organização social foram trazidos junto com as famílias que vieram se juntar aos primeiros. A moral religiosa – mesmo que na colônia não houvesse a prática religiosa - , que reprime, limita o amor, a liberdade de escolha e de ação.
A vinda das famílias para a colônia modifica os hábitos dos primeiros moradores, impondo condições de conduta aos homens que têm poder sobre mulheres e junto com estas sobre as crianças. As mulheres por sua vez estão tão socialmente condicionadas à submissão que cobram esta atitude dos homens, não admitindo para si ou para eles nada além do que conhecem como as regras morais do casamento e da vida em sociedade.
Os princípios libertários são deixados a um plano unicamente econômico, prevalecendo no social a opressão e o poder, o julgamento do outro pelos padrões sociais em que foram educados.
Viana destaca ainda a impossibilidade de existência da autogestão numa democracia representativa: “A autogestão seria o conceito fundamental de uma sociedade futura e, portanto, incompatível com relações sociais, e, por conseguinte, conceitos, de nossa sociedade. Enfim, por tal motivo autogestão social é distinta e incompatível com democracia representativa.”
Podemos ainda refletir seguindo essa linha de pensamento que a figura do pai nada mais é senão o representante dos membros da família, que vem a ser uma micro sociedade comdemocracia representativa.
Kropotkin prova que todos os seres vivos independente de força e tamanho conseguem viver e sobreviver através da ajuda mútua na própria espécie. E é aí que está a chave, a meu ver, os animais lutam juntos pela sobrevivência porque não fazem distinção entre seus semelhantes, todos têm o mesmo valor no grupo, são iguais, o que não acontece entre os seres humanos que se organizam primariamente em famílias, e a partir disso somos iguais uns aos olhos dos outros, mas individualmente vemos que uns são mais iguais que outros.
A vida numa comunidade anarquista depende da harmonia cultural, dos valores sociais, do respeito à individualidade e à liberdade, da confiança mútua tanto quanto ou mais que da organização econômica e política igualitária, horizontalizada e sem leis ou repressão.
VIANA, Nildo. Democracia e Autogestão. Achegas- Revista de Ciências Políticas, num 37, 2007.
PIOTR, Kropotkin. Ajuda mútua: um fator de evolução ; tradução Waldyr Azevedo Jr. — São Sebastião : A Senhora Editora, 2009.
COMOLI, Louis Jean. Filme La Cecília, Nef Diffusion, 1975.
A Autogestão, a Democracia Direta e a Guerra Civil Espanhola
GERMES PARA UMA SUBVERSÃO SOCIAL: DEMOCRACIA DIRETA E AUTOGESTÃO
La Cecília. Direção de Jean – Louis Comolli. Une Co-Production. 01h44min: 00