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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

DEMOCRACIA E AUTOGESTÃO: oposição ou afinidade?

Zênio Schuquel Marques
Acadêmica do 4º semestre do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais
UFFS - Campus de Erechim

Esse trabalho é uma tentativa de abordar de forma resumida e sem intenção alguma de estabelecer limites em relação ao assunto. Mas sim buscar abranger e trazer elementos para reflexão a partir do artigo do professor Nildo Viana “Democracia e Autogestão” fazendo uma associação com o filme “La Cecília”. A abordagem aqui pretendia é distinguir de uma forma mais objetiva o que vem a ser democracia e autogestão. Com elementos da experiência anarquista no Brasil que o filme revela o texto objetiva pensarmos se esses dois termos se associam ou se divergem. Ou se é capaz de existirem essas duas formas de organização da sociedade num mesmo espaço?
No seu artigo, Viana apresenta seu próprio conceito de democracia. Onde define que a democracia tem sofrido mudanças historicamente, mas a que ele considera de fato é o resultado das revoluções burguesas. Tendo como principal característica a “representação”, por isso chamada democracia representativa. No início essa representação era facultada aquelas pessoas de tinham uma melhor renda. Com a mobilização dos operários que passaram a lutar e se organizar a democracia, que posterior à segunda guerra mundial, se torna bem mais burocrático.
A democracia para Viana, no Estado capitalista se torna uma forma de relação entre classes sociais e o próprio estado. Porém as classes sociais tinham limites na representação e participação no governo. O benefício maior era da classe dominante, não fazendo jus, segundo o autor a expressão “governo do povo”. Os seus alicerces estão à exploração e a divisão de classes com o Estado garantindo essa continuidade de domínio do capital burguês.
Para o sistema de autogestão, Viana apresenta a tese de Marx, que defendia o Estado socialista. Sendo a base desse Estado à transição do capitalismo ao comunismo. Num primeiro momento não existiria a abolição do estado. O estado comandaria a economia, mantendo o trabalho assalariado e o dinheiro. Esse período é a transição do capitalismo e comunismo denominado “socialismo”.
O conceito do próprio Viana aponta que não há nenhuma experiência autogestionária que tenha existido historicamente. O que o autor coloca que pode ser comparado autogestão com alguns outras organizações, como exemplo as cooperativas. Defende que numa sociedade futura esse conceito de autogestão seria o modelo ideal, porém “imcompatível com relações sociais capitalistas”. Por esse motivo autogestão é “distinta e imcompatível com democracia representativa”. (Viana, p. 70)
Segundo o filme “La Cecília” o Brasil vivenciou uma experiência “anarquista”, num regime imperial, o imperador D. Pedro II, devido um problema de saúde viajou para Milão para tratamento médico onde encontrou o agrônomo Giovani Rossi, que tinha escrito um romance, onde indivíduos conviviam em liberdade, sem a existência de leis e sem precisar a obedecer a comandantes. Foi então que D. Pedro II convidou o Rossi para implantar sua idéia no Brasil.
Em 1889, que Rossi chega ao Brasil trazendo consigo mais cento e cinqüenta imigrantes italianos. O grupo formados por colonos e pequenos artesão se instalam no Paraná, formando a colônia de Cecília. Com todas as dificuldades de transferências de nação e leis de um governo recém estabelecido o grupo começa a organizar-se para o trabalho. Com o ideário anarquista, enfrentaram dificuldades dentro do grupo, ate os próprios colonos devido a mudança de solos. Mesmo com uma organização que favorecia a coletividade os moradores da colônia mantinham contatos comerciais com as comunidades vizinhas.
No período imperial a política de D.Pedro II, incentivava através de recursos financeiros as colônias de imigrantes. Muitos chefes de colônias sem conhecimentos das leis tiveram que pagar as divida com a pressão de autoridades, na maioria dos casos com juros e multas as dívidas. Esse foi um dos problemas que a colônia de Cecília enfrentou. Com uma produção razoável nos primeiros anos, colonos vivenciavam oportunidades de trabalhos com melhores condições de vidas nas comunidades vizinhas, aos poucos a colônia de Cecília foi sendo abandonada.
Se considerar que a experiência no Brasil do anarquismo, como forma de uma sociedade se auto gerir, não foi um fracasso geral. Rossi trouxe para o país um novo modelo que ate os dias de hoje é alvo de estudos por parte de muitos autores e pesquisadores. Atualmente a experiência de Rossi é parâmetro para muitos movimentos operários.
Analisando a colônia de Cecília, se evidência as dificuldades enfrentadas pelos membros da sociedade anarquista tendo que conviver com as crises internas do grupo e enfrentando repressões por parte de governo e do estado brasileiro. Se verifica o que Viana enfatiza em seu artigo a imcompatibilidade entre sociedade com representação e interesses de alguns com uma sociedade onde todos os que compõe teriam direito de poder expressar suas opiniões. Essa comparação faz refletir a opinião do autor que não existiu nenhum modelo de autogestão, isso somente será possível com uma revolução das classes trabalhadora e uma nova forma de auto organização, o que é seria um “modelo atual” no futuro.


Referências Bibliográficas

1.VIANA, Nildo. Democracia e Autogestão. S.d. Disponível em: <www.achegas.net/numero/37/nildo_37.pdf>

2.LA CECILIA. Direção de Jean – Louis Comolli. Une Co-Production. 01h44min: 00

Auto -organização dos trabalhadores

Josiane da Silva

Acadêmica do 4º semestre do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais



Esse trabalho tem por objetivo analisar muito brevemente a experiência de autogestão dos trabalhadores aqui no Brasil na região de Curitiba.

Esse filme trata da vinda de imigrantes italianos para o Brasil. Em 1887 Dom Pedro II imperador brasileiro, faz doação de um pedaço de terra para Giovanni Rossi, protagonista do filme, anarquista que tem por objetivo fazer uma experiencia de formar uma comuna auto gestionária organizada pelos próprios trabalhadores.

A terra doada, situada em Palmeira no Paraná, no Brasil na região de Curitiba, chamada Cecilia local esse que se instalaram Italianos entre eles dez homens e uma mulher. Chegando no local tudo era mato, o principal meio de subsistência era a agricultura, juntaram suas economias para comprar ferramentas necessárias para arar a terra, bem como comprar gados e sementes para começar o plantio.

Nas terras de Cecilia as construções, o plantio e as discussões eram realizadas por todos os integrantes da comuna de forma horizontalizada, de modo que não existiam lideres entre eles.

A organização politica começa a se modificar com a chegada das famílias, que não tinham conhecimento do processo da organização gestionária e coletiva que acontecia ali, ocasionando divergências politicas, competições entre as famílias ocorrendo uma ruptura ideológica entre os moradores de Cecilia.

A moralidade vinda do segmento religioso, contribuiu para que acontecesse o rechaço entre as famílias, a dominação patriarcal ganha força , a falta de alimentos causou afastamento de algumas famílias, que se mudaram sem rumo algum procurando outro local para morar.

O imperador foi deposto e se instaurou o governo republicano, que estrategicamente botou preço na terra e ordenou que o pagamento fosse feito . Os homens foram obrigados a trabalhar numa pedreira para poder pagar a divida, deixando-os revoltados por voltarem a ter patrão.

Analise do filme

O intuito da comuna era baseado na organização social, sem Estado, sem lideres, apenas mantida pelos próprios trabalhadores. As coisas se modificam com a chegadas das famílias que formam círculos menores, fechados entre si, de modo que o individualismo foi ficando cada vez mais forte, a função da mulher é resumida em cuidar dos filhos e da alimentação, o processo de igualdade entre os sexos não existe, no caso de algumas famílias a teoria anarquista de autogestão fica apenas no discurso, isso acaba dividindo a comunidade.

Segundo Nildo Viana” a autogestão é uma relação de produção que se generaliza e se expande para todas as outras esferas da vida social. A autogestão inverte a relação entre trabalho morto e trabalho vivo instaurada pelo capitalismo e assim, instaura o domínio do trabalho vivo sobre o trabalho morto. A autogestão significa que os próprios ' produtores associados' dirigem sua atividade e o produto dela deriva. Abole-se, o Estado, a democracia representativa, as classes sociais, o mercado, etc., já que com a autogestão abole-se a divisão social do trabalho. Consequentemente, abole-se a divisão da ' economia' 'politica', etc.” ( Viana, 2007)

Nessa perspectiva, as relações sociais devem ser horizontalizadas no seu total, com as relações de produção conduzidas pelos trabalhadores, todos representam-se com poder igual , fugindo da logica capitalista de competição entre os trabalhadores, sendo que os mesmos tem dependência mutua.

Em seu livro Ajuda mutua Kropotkin (2009) ressalta a importância da organização autônoma dos trabalhadores fica evidente na citação a seguir:

O dia em que devolvessem os instrumentos de produção a todos, em que as tarefas fossem comuns e o trabalho –ocupando o lugar de honra na sociedade produzisse bem mais do necessário para todos, como duvidar de que esta tendência alargará sua esfera de ação até chegar a ser o princípio mesmo da vida social? Por esses indícios somos do parecer de que, quando a revolução tenha quebrantado a força que mantém o sistema atual, nossa primeira obrigação será realizar imediatamente o comunismo. Mas nosso comunismo não é o dos falansterianos nem o dos teóricos autoritários alemães, senão o comunismo anarquista, o comunismo sem governo, o dos homens livres. Esta é a síntese dos dois fins perseguidos pela humanidade através das idades: a liberdade econômica e a liberdade política.” (kropotkin, 2009)


Portanto, o processo politico de autogestão tem por objetivo lutar coletivamente por uma liberdade de organização, em que não seja necessário a existência de representantes fixos que possuem poder de deliberação, mas sim que seja num mandato imperativo , construído por indivíduos com vontades comuns e objetivos comunitários.


A autogestão é sistema que busca uma mudança nas estruturas politicas, uma resistência a dominação capitalista heteronômica. Entretanto a horizontalidade deve acontecer em todos os segmentos da sociedade, para que realmente exista confiança reciproca entre os indivíduos, ocasionando desta forma igualdade politica entre todos os trabalhadores e trabalhadoras.


Referencias

VIANA, Nildo. Democracia e Autogestão. Achegas- Revista de Ciências Políticas, num 37, 2007.

PIOTR, Kropotkin. Ajuda mútua: um fator de evolução ; tradução Waldyr Azevedo Jr. — São Sebastião : A Senhora Editora, 2009.

COMOLI, Louis Jean. Filme La Cecília, Nef Diffusion, 1975.

Cecília – A Experiência

Acadêmica Sandra Ferreira

Acadêmica do 4° semestre do Curso de Ciências Sociais - Licenciatura

UFFS - Campus Erechim

Breve diálogo entre o texto Democracia e autogestão de Nildo Viana, sociólogo e filósofo, e o filme La Cecília de Jean Louis Comoli.

O filme Cecília conta a saga de imigrantes italianos que vêem na experiência anarquista proposta por Giovanni Rossi a possibilidade de uma nova vida longe das dificuldades na Itália.

Diante da oferta de D. Pedro II, que via na proposta a chance de elevar a mão de obra barata sem maiores responsabilidades para o governo na colonização do Brasil, que então, já havia passado pelo processo de libertação dos escravos, Rossi pensou ter nas mãos, a chave para o sucesso de sua experiência: terras férteis, longe de interferências culturais e garantias de autonomia para seu intento.

Organizou um primeiro grupo de anarquistas dispostos a transpor o oceano e em terras brasileiras iniciou o que se chamaria Colônia Cecília, na cidade de Palmeira no Paraná, em 1890.

Em 1891, por dificuldades, tais como, o longo tempo entre plantio e a colheita do milho, a falta de maquinário e o aumento sem planejamento de moradores que então chegava à casa dos 250 habitantes na colônia, e consequentemente a escassez de alimentos, acontece a primeira derrota nos ideais da colônia, e o abandono do projeto por muitas famílias que foram em busca de trabalho em outras propriedades como alternativa de sobrevivência.

Em 1892, aproximadamente sessenta pessoas permaneciam em Cecília, mantendo o caráter anarquista da colônia. Nesse ano o trabalho comunitário girava em torno da uva, plantio, fabricação dos produtos derivados e barris, o que garantia o sustento da colônia.

Mas as transformações políticas pelas quais o país passou, esmagaram seus moradores, levando-os à miséria e ao fim da experiência em 1894.

Nildo Viana em seu artigo Democracia e autogestão, nos convida a refletir sobre a impossibilidade do sucesso da autogestão aplicada restritamente a relações sociais econômicas e políticas em um novo modelo de sociedade, mas necessariamente abrangendo todas as esferas da vida social.

“A autogestão é uma relação social fundante de uma nova formação social, uma nova sociedade” (Viana, 2007).

“A autogestão é uma relação de produção que se generaliza e se expande para todas as outras esferas da vida social.” (Viana, 2007).

Olhando para Cecília, a organização econômica da colônia, que conseguiu com o trabalho comunitário sustentar as necessidades dos seus moradores com casa, alimento e tudo o mais sem recorrer a ajuda de recursos externa à própria colônia, contemplou os princípios anarquistas da autogestão.

O mesmo aconteceu com relação à organização política, durante todo o tempo em que Cecília existiu enquanto comunidade anarquista, não houve verticalidade nas decisões. Todos gozavam, homens e mulheres dos mesmos direitos de decisão.

Então, onde está o problema? Não poderia ser também a questão das mudanças políticas no país que forçavam os imigrantes a comprar as terras que antes lhes tinham sido dadas pelo Imperador. Sem desprezar todo sacrifício feito,a ira pela injustiça sofrida, o prejuízo material e moral que isso acarretou pelo abuso das cobranças impostas, não seria motivo forte o bastante para sozinho, levar quatro anos de trabalho que fizeram a experiência ser considerada um sucesso, ao final, sem chances de ressurgir das cinzas, afinal não era esta a primeira vez que os anarquistas de Cecília passavam por privações extremas. Teria que ser algo mais poderoso e invisível ao primeiro olhar.

A razão está, creio, no “social”, na primeira célula da sociedade – a família!

Voltando ao início da colonização de Cecília, percebemos que seus primeiros moradores eram ali, livres, sem laços familiares, filhos, esposas, tudo isso tinha ficado para trás, na Itália. Eram pessoas integralmente livres, sem os constrangimentos e obrigações sociais que a família impõe a cada um dos seres humanos.

A moralidade, os preconceitos, as limitações sociais, a educação, os valores morais, sociais, religiosos, econômicos, políticos, de gênero, estão todos historicamente associados à ideia, à concepção de família.

O poder patriarcal, a submissão feminina, a propriedade sobre o corpo e os atos do outro, a própria visão do outro enquanto semelhante ou diferente; enquanto companheiro ou adversário; a desconfiança, a individualidade não como direito de cada um mas algo que se pode medir e pesar, valorar. Tudo o que se aprende desde o momento do nascimento e que se reproduz até a morte, vivendo em sociedade está garantido perpetuamente pela família, seja essa família pertencente a uma sociedade feudal, ou capitalista.

Todos esses conceitos de organização social foram trazidos junto com as famílias que vieram se juntar aos primeiros. A moral religiosa – mesmo que na colônia não houvesse a prática religiosa - , que reprime, limita o amor, a liberdade de escolha e de ação.

A vinda das famílias para a colônia modifica os hábitos dos primeiros moradores, impondo condições de conduta aos homens que têm poder sobre mulheres e junto com estas sobre as crianças. As mulheres por sua vez estão tão socialmente condicionadas à submissão que cobram esta atitude dos homens, não admitindo para si ou para eles nada além do que conhecem como as regras morais do casamento e da vida em sociedade.

Os princípios libertários são deixados a um plano unicamente econômico, prevalecendo no social a opressão e o poder, o julgamento do outro pelos padrões sociais em que foram educados.

Viana destaca ainda a impossibilidade de existência da autogestão numa democracia representativa: “A autogestão seria o conceito fundamental de uma sociedade futura e, portanto, incompatível com relações sociais, e, por conseguinte, conceitos, de nossa sociedade. Enfim, por tal motivo autogestão social é distinta e incompatível com democracia representativa.”

Podemos ainda refletir seguindo essa linha de pensamento que a figura do pai nada mais é senão o representante dos membros da família, que vem a ser uma micro sociedade comdemocracia representativa.

Kropotkin prova que todos os seres vivos independente de força e tamanho conseguem viver e sobreviver através da ajuda mútua na própria espécie. E é aí que está a chave, a meu ver, os animais lutam juntos pela sobrevivência porque não fazem distinção entre seus semelhantes, todos têm o mesmo valor no grupo, são iguais, o que não acontece entre os seres humanos que se organizam primariamente em famílias, e a partir disso somos iguais uns aos olhos dos outros, mas individualmente vemos que uns são mais iguais que outros.

A vida numa comunidade anarquista depende da harmonia cultural, dos valores sociais, do respeito à individualidade e à liberdade, da confiança mútua tanto quanto ou mais que da organização econômica e política igualitária, horizontalizada e sem leis ou repressão.


Referências:

VIANA, Nildo. Democracia e Autogestão. Achegas- Revista de Ciências Políticas, num 37, 2007.

PIOTR, Kropotkin. Ajuda mútua: um fator de evolução ; tradução Waldyr Azevedo Jr. — São Sebastião : A Senhora Editora, 2009.

COMOLI, Louis Jean. Filme La Cecília, Nef Diffusion, 1975.

A Autogestão, a Democracia Direta e a Guerra Civil Espanhola

Vinícius Fruscalso Maciel de Oliveira
Acadêmico do curso de Licenciatura em História pela UFFS

É possível a autogestão no capitalismo? Não, mas... Qual foi a experiência mais próxima de uma autogestão que a humanidade chegou na modernidade? Certamente as experiências ocorridas durante a Guerra Civil Espanhola!
Espanha, 1936. Em fevereiro a coalizão socialista, de republicanos e outros partidos de esquerda foram vitoriosos na eleição geral. Proporam reformas democráticas. Os latifundiários, os industriais, igreja e as forças armadas temeram o aumento da classe operária. 18 de Julho. Houve uma insurreição militar liderada pelo Fascista general Franco contra o governo democrático. Apoiadores do governo formaram milícias para a defesa. Organizados por sindicatos e partidos políticos foram à luta por seus direitos democráticos contra os fascistas.
Durante a Guerra Civil Espanhola (1936 – 1939), a gestão em várias comunas rurais e fábricas foram exercidas de forma direta pelos trabalhores, já que houve tanto a coletivização das terras como a coletivização das fábricas, ou seja, dos meios de produção. Entendo que a autogestão “seria uma relação social específica, uma relação de produção, o que significaria relações de trabalho e de distribuição. A autogestão seria a decisão coletiva dos produtores sobre o processo de produção. A autogestão é uma relação social fundante de uma nova formação social, uma nova sociedade” (Viana, p. 60)
Não se pode chamar a experiência espanhola como uma autogestão plena, pois os trabalhadores, dadas às circunstâncias, produziam não somente para consumo e também para a perpetuação armada, caso contrário eles mesmos estariam se prejudicando ao não fornecer suporte, seja com comida, seja com armas, aos milicianos.
Mas por outro lado, pode-se chamar de democracia plena, sem dúvida. Vozes nunca antes ouvidas agora podiam além de participar da produção e receber benefícios conforme o seu trabalho, podia também votar nas assembleias realizadas no interior de cada meio de produção (seja ele agrário ou urbano).
Em 1937, POUM (Partido Operário de Unificação marxista) une-se à CNT (Confederação Nacional dos Trabalhadores) para impedir o avanço das tropas fascistas por toda a Espanha. Insatisfeito com tal atitude, Stalin cancela o fornecimento de armas aos trabalhadores e envia um exército para prendê-los, afirmando que a POUM agora é uma instituição ilegal e que deve render-se as Brigadas Populares, que eram controladas pelos stalinistas. Além disso, uma série de milicianos foi declarada prisioneiros.
Os espanhóis criaram um organismo econômico que era organizado “de baixo para cima”. A administração das fábricas na Catalunha funcionava através de um conselho de fábrica, formado tanto por “proletários”, como por “especialistas”, onde prevalecia a democracia e a soberania popular. Cada cabeça, um voto, independente da posição que o trabalhador ocupava na fábrica. Por sua vez, as fábricas se organizavam em sindicato ou seção e os mesmos em conselhos locais de ramo (alimentação, por exemplo), do qual as uniões de todas as seções locais formavam uma seção regional, que era vinculado à seção nacional. Além disso, todas as seções locais, independente de que ramos sejam, eram vinculadas ao conselho local de economia. O mesmo acontecia em âmbito local e nacional.
Os revolucionários utilizavam estatísticas para saber qual era a necessidade de produção um cada setor da economia, o que se deve produzir mais, onde, em que condições, visando sempre, em primeiro lugar o consumo interno e a manutenção do movimento revolucionário, o qual tornava possível essa forma de gestão.
Nildo Viana finaliza seu artigo sobre “democracia e autogestão”, dizendo o seguinte: “A autogestão seria o conceito fundamental de uma sociedade futura e, portanto, incompatível com democracia representativa” (Viana, p. 70).
No filme “Terra e Liberdade”, o personagem David Carr é um inglês que sai de seu país para combater os fascistas na Guerra Civil Espanhola. David é stalinista, mas acaba sendo levado não as Brigadas Populares, e sim a uma milícia da POUM. Indignado com a precariedade das armas, decide ir a Madri e se juntar aos stalinistas. Acaba ficando decepcionado quando percebe que os stalinistas estão lutando (incluindo ele mesmo) contra os anarquistas em Madri e, consequentemente, contra a revolução. Numa cena no mínimo melancólica, David acaba por rasgar seu certificado de filiação no Partido Comunista e volta a atuar numa milícia da POUM.
Conclui-se a partir do que foi visto tanto no filme, quanto no artigo, que a autogestão nunca foi realizada de forma plena na sociedade moderna. Mas houve um pequeno germe dela chamado Revolução Espanhola, onde ficaram comprovados seus benefícios infinitamente melhores para os trabalhadores do que no regime tradicional capitalista.

Referências Bibliográficas

1 – VIANA, Nildo. Democracia e Autogestão. S.d. Disponível em: www.achegas.net/numero/37/nildo_37.pdf

2 – Terra e Liberdade (Land and Freedom, 1995). Diretor: Ken Loach. 109min.

3- ABAD DE SANTILLÁN, Diego - O Organismo econômico da revolução—A Autogestão na Revolução espanhola. Brasiliense, 1980.


GERMES PARA UMA SUBVERSÃO SOCIAL: DEMOCRACIA DIRETA E AUTOGESTÃO

Sian Carlos Alegre
Acadêmico do 4° semestre do Curso de Geografia – Licenciatura
UFFS – Campus de Erechim
Pensar a democracia e a autogestão, nos remete primeiramente, buscarmos uma definição conceitual para ambos os termos. A democracia que vivemos atualmente, ou a que se tem na maior parte do planeta, é o que se chama de democracia representativa, ou seja, algumas pessoas são eleitas, de forma “democrática”, para nos representarem perante uma instituição maior chamada de Estado. Compreendendo a instituição Estado Moderno, como fruto da Revolução Francesa (que de fato foi uma revolução burguesa), este é a expressão dos interesses de uma classe dominante (p. 63), que no caso é a classe burguesa, o que faz da democracia representativa uma política burguesa voltada aos seus interesses. Em suma, pode se dizer que a democracia hoje, acaba por condicionar a uma sociedade heterônoma. Porém, essa não é a única forma democracia existente/possível. Para aqueles que buscam pensar para além da representatividade, há de se considerar a democracia direta. Dentro dessa perspectiva, todos os envolvidos têm igual poder de voz e voto, a todos é oportunizada a possibilidade de serem protagonistas de suas vidas, sem relegar a outro a sua vontade, sem heteronomia. Já buscando compreender a autogestão, Viana afirma que “A autogestão é uma relação de produção que se generaliza e expande para todas as outras esferas da vida social.” (p. 67). Não só limitando-se as relações de produção, Viana também busca pensa – lá diretamente para o meio das relações sociais, já que, segundo ele, “Todo modo de produção possui uma determinação fundamental que é expressa pelo conceito de relações de produção e que serve de fundamento para todas as relações sociais.” (p. 65). Sendo assim, se a determinação do modo de produção for o da autogestão (p. 66), ela irá para além da própria produção, pois, "A autogestão significa que os próprios ‘produtores associados’ dirigem sua atividade e o produto dela derivado. Abole-se, assim, o estado, a democracia representativa, as classes sociais, o mercado, etc., [...]" (p. 67).
Deste modo, pode-se conceber uma autogestão social (p.67). Já buscando pensar esses dois termos a partir do filme La Cecília, em que se tenta retratar a instalação de uma colônia anarquista no que condiz ao atual estado do Paraná, em 1887, através de um grupo de imigrantes italianos, veê-se que, de acordo com o filme, as decisões acerca da gestão da colônia, davam-se de forma horizontal, em que todos se expressavam e votavam em igualdade. O trabalho coletivo frente às demandas que surgiam, também demonstra a abolição de hierarquias, já que todos contribuíam para a construção da colônia, não havendo patrão entre eles. Ao tentarmos estabelecer um diálogo entre o filme La Cecília e o texto de Nildo Viana “Democracia e Autogestão”, é possível ver algumas aproximações quanto à democracia e a autogestão que se fazia presente na colônia Cecília. Ao final de seu texto, Viana afirma que a autogestão é incompatível com a democracia representativa (p. 70). O que nos remete a considerar como alternativa para a autogestão, a democracia direta, a participação efetiva de todos os envolvidos, sem que alguns decidam por todos. Se na colônia Cecília, todos trabalhavam na produção para a satisfação das necessidades, se entre eles a divisão da produção era comunal, se entre eles não havia patrões e nem hierarquias e, se entre eles as decisões davam-se no coletivo, seria então, a colônia Cecília um exemplo de autogestão, ou um germe para tal? Para tanto, será possível também considerar a colônia Cecília um exemplo de democracia direta?
De certa forma, a partir do filme, acreditamos que a experiência da colônia Cecília propiciou a democracia direta e a autogestão, ou ao menos algo que se aproxima muito disso. Visto que em sua organização, social e econômica, a aproximação com ambos os termos é grande, entendemos que a colônia tende a torna-se um germe para os mesmos. Sem patrão, hierarquia, com divisão igualitária da produção, sem especialistas políticos, com participação de todos na produção e nas decisões e, com igualdade na hora de decidir, Cecília tornou-se para o Brasil (e não só para ele) um exemplo de que outras formas de organização social são possíveis.
Se na a realidade que vivemos hoje, a democracia é representativa e a autogestão é quase desconhecida, cabebuscarmos experiências que demonstrem proximidade com ambos os termos, E que sirvam de experiências ações futuras. A partir daí podemos presenciar que democracia não se restringe a representatividade e que a autogestão é possível. Para tanto, não será fácil a superação/subversão desse atual sistema social, é nesse momento que a autogestão vem a contribuir como um projeto para a realização da democracia direta.
REFERÊNCIAS
VIANA, Nildo. Democracia e Autogestão. S.d. Disponível em: www.achegas.net/numero/37/nildo_37.pdf

La Cecília. Direção de Jean – Louis Comolli. Une Co-Production. 01h44min: 00

Autogestão como ação transformadora da realidade


Nidia Lara Olivar
Acadêmica do 4º semestre do curso de Ciências Sociais da UFFS - Licenciatura
Campus Erechim
Land and Freedom” é o título original do filme “Terra e Liberdade” (1995) do cineasta Ken Loach, vencedor do Oscar francês, elogiado no Festival de Cannes pela Critica Internacional. Méritos para o diretor Loach que traz uma adaptação para o cinema do livro de George Orwell, “Lutando na Espanha” (1938) e retrata com muita propriedade os movimentos anarquista, socialista, comunista e reformista do início do séc. XX. Este trabalho é uma tentativa de comparar elementos do filme com o texto de Nildo Viana “Democracia e Autogestão” (2008).
Nildo Viana é professor da UEG – Universidade Estadual de Goiás e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. No texto, o autor comenta que é preciso ter cuidado ao tentar estabelecer uma relação entre democracia e autogestão, já que o resultado depende em muito da definição e do significado atribuído a estas palavras. Viana traz ainda a discussão do conceito e de como definir estes termos. Na apresentação de sua tese, o autor comenta que a oposição entre democracia e autogestão depende muito do momento histórico.
            No filme, o autor Orwell é representado por David Carr (Ian Hart), membro do Partido Comunista da Grã-Bretanha, que estando desempregado deixa sua cidade natal, Liverpool e segue para a Espanha para lutar por seus ideais ao lado dos republicanos. O diretor Loach foi feliz ao fazer uma reconstrução sobre a Guerra Civil Espanhola, narrando a história de um povo no sangrento combate entre fascistas e comunistas, mostrando as divergências entre as organizações de esquerda. Terra e Liberdade, um dos melhores trabalhos do cineasta, mostra um conjunto de temas que podem ser utilizadas para uma reflexão critica que ajuda na compreensão de disputas ideológicas e políticas entre estes movimentos.
O cinema é um instrumento que ajuda a compreender a realidade. E o autor Loach se utiliza bem deste instrumento para contar a história de David Carr, vista pelo ângulo das recordações de sua neta (Suzanne Maddock). Toda a história vai sendo construída pelo cineasta através das cartas, dos recortes de jornais, documentos antigos e um punhado de terra, deixados por Carr, após a sua morte. Assistir ao filme permite compreender um pouco mais sobre a Guerra Civil Espanhola mantendo os sonhos de liberdade e na esperança de ver concretizada mudanças radicais nas sociedades.
O diretor Loach através de um momento histórico importante levanta questões que ajudam a analisar não só o passado, mas que também serve de base para discutir o debate político contemporâneo. No filme o cineasta faz uma abordagem crítica da Guerra Civil, de uma triste realidade e mostra possibilidades de construir uma nova ordem social, fundada na autogestão. Contudo, para Viana somente a participação da sociedade civil não é o suficiente para se definir que se há ou não autogestão. O autor comenta que pensar a autogestão como relação de produção deriva da generalização de que todas as relações em sociedade partem de um conceito “antecipador”, já que “o conceito de autogestão não expressa nenhuma realidade já existente”. (VIANA, p. 63)
Mas a Guerra Civil Espanhola, com certeza expressou uma realidade: a concretização de um sonho. Um modelo de autogestão, talvez o mais significativo deste século. Percebe-se que para o autor existem várias formas de compreender o que é autogestão, mas o recorte feito por Viana através da perspectiva de autores como Marx e Pannekoek, parte do conceito de autogestão, mas sem se afastar da história da sociedade. O professor Viana traz ainda a contribuição dos autores A. Guillerm e Y. Bourdet (1976) de que é preciso conhecer esta diferença: a ”autogestão não possui o mesmo significado que participação, co-gestão, controle operário ou cooperativismo”. (VIANA, p.64)
No filme “Terra e Liberdade”, além do tema da guerra civil, a trama mostra o início de uma revolução civil, na qual os grupos de esquerda se apropriam das terras e das propriedades no intuito de mostrar a necessidade e viabilidade da socialização dos meios de produção. Em virtude da complexidade dos elementos trazidos pela revolução social bem como o peso que este conflito gerou na sociedade é possível que se faça um questionamento: - como comparar o filme com o texto do autor Nildo Viana? Será que a concepção de entendimento de Democracia e Autogestão para o autor é a mesma verificada durante o movimento revolucionário?
No texto, Viana comenta que Democracia e autogestão podem ser vistas como opostas ou complementares. Do conjunto de teóricos que defendem a tese de complementaridade entre estes dois conceitos, o autor destaca a contribuição de Carlos Nelson Coutinho, filósofo marxista e professor de Teoria Política da UFRJ entende que a democracia é “indispensável à realização do socialismo e o socialismo é condição necessária ao pleno desenvolvimento da democracia”. (COUTINHO, entrevista/2008)
Coutinho, a partir da Tese de Lênin e Trotsky de que com a queda do poder da burguesia, o proletariado iria chegar ao poder retoma outros autores, como Rosa Luxemburgo, Max Adler, Otto Bauer, para justificar o seu pensamento, já que sua tese de dualidade dos poderes defende a existência do poder do proletariado e o poder da burguesia. O primeiro representado pelos conselhos de operários, “os sovietes” e o segundo simbolizado no texto pela figura do Estado.
 No filme o diretor Loach busca analisar quais os motivos que ocasionaram o fracasso da Revolução, já que tudo indicava que os trabalhadores poderiam escrever a sua história, modificar suas vidas e transformar a sociedade. A postura crítica de Loach está visivelmente comprometida com a realidade no filme e nos ajuda a entender porque não se saiu vitorioso deste acontecimento. Esta mesma postura está presente em Viana, ao comentar que “segundo Coutinho, é preciso ir além da concepção restrita de Estado e de revolução explosiva para constituir uma concepção ampliada de Estado”. (VIANA, p. 59)
O cineasta destaca os personagens do filme como agentes capazes de transformar a sociedade, sendo que para que isso aconteça é necessário abolir o Estado. Diferentemente da opinião de Coutinho, presente no texto de Viana, de que é necessário promover “reformas” nas estruturas. A análise do autor está focada na forma como o Estado se relaciona com as classes sociais, argumentando que a organização de uma sociedade autogerida é consequência de uma democracia representativa.
Para o autor existem duas formas de conceber a autogestão: a primeira como uma forma do trabalhador se organizar dentro da sociedade capitalista. Este trabalhador continua submetido ao Estado, às leis e ao mercado, que para Viana, essa ainda é uma forma limitada de organização. E a segunda como uma forma de negação da sociedade capitalista, que fundamentada no marxismo é a posição defendida pelo sociólogo. Segundo Viana, qualquer modo de produção possui uma determinação expressa pela “relação de produção capitalista” fundamentado na sociedade capitalista – “o capital não é só os meios de produção mas é, fundamentalmente, uma relação social, uma relação de produção.” (VIANA, p. 08)
O professor Viana traz ainda a posição antagônica de que a autogestão seria uma relação de produção, na qual os próprios trabalhadores seriam responsáveis por gerir o processo de produção, que em Marx autogestão seria a “livre associação dos produtores”. O autor finaliza o texto comentando que a “democracia representativa fora do capitalismo é um anacronismo” e traz sua concepção de autogestão - um conceito distinto e incompatível com as relações sociais capitalistas. Portanto, para Viana a autogestão é um sonho possível de se realizar no sentido de proporcionar ao trabalhador a liberdade tão desejada.

Referências Bibliográficas:

COUTINHO, C. N. Socialismo e Liberdade. Disponível em: <http://www.socialismo.org.br/portal/filosofia/154-entrevista/635> Acesso em 07 nov.2011.Entrevista concedida a Fundação Lauro Campos, em 15 nov. 2011.

VIANA, Nildo. Democracia e Autogestão. S.d. Disponível em: <www.achegas.net/numero/37/nildo_37.pdf>

QUINSANI, R. H.; Revolução em película: as disputas e conflitos no interior do processo revolucionário a partir de Terra e Liberdade. Artigo publicado no Caderno de Pesquisas, Florianópolis, v.11, n.99, p. 111-147, jul 2010.

Terra e Liberdade (Land and Freedom, 1995). Diretor: Ken Loach. 109min.