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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Autogestão como ação transformadora da realidade


Nidia Lara Olivar
Acadêmica do 4º semestre do curso de Ciências Sociais da UFFS - Licenciatura
Campus Erechim
Land and Freedom” é o título original do filme “Terra e Liberdade” (1995) do cineasta Ken Loach, vencedor do Oscar francês, elogiado no Festival de Cannes pela Critica Internacional. Méritos para o diretor Loach que traz uma adaptação para o cinema do livro de George Orwell, “Lutando na Espanha” (1938) e retrata com muita propriedade os movimentos anarquista, socialista, comunista e reformista do início do séc. XX. Este trabalho é uma tentativa de comparar elementos do filme com o texto de Nildo Viana “Democracia e Autogestão” (2008).
Nildo Viana é professor da UEG – Universidade Estadual de Goiás e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. No texto, o autor comenta que é preciso ter cuidado ao tentar estabelecer uma relação entre democracia e autogestão, já que o resultado depende em muito da definição e do significado atribuído a estas palavras. Viana traz ainda a discussão do conceito e de como definir estes termos. Na apresentação de sua tese, o autor comenta que a oposição entre democracia e autogestão depende muito do momento histórico.
            No filme, o autor Orwell é representado por David Carr (Ian Hart), membro do Partido Comunista da Grã-Bretanha, que estando desempregado deixa sua cidade natal, Liverpool e segue para a Espanha para lutar por seus ideais ao lado dos republicanos. O diretor Loach foi feliz ao fazer uma reconstrução sobre a Guerra Civil Espanhola, narrando a história de um povo no sangrento combate entre fascistas e comunistas, mostrando as divergências entre as organizações de esquerda. Terra e Liberdade, um dos melhores trabalhos do cineasta, mostra um conjunto de temas que podem ser utilizadas para uma reflexão critica que ajuda na compreensão de disputas ideológicas e políticas entre estes movimentos.
O cinema é um instrumento que ajuda a compreender a realidade. E o autor Loach se utiliza bem deste instrumento para contar a história de David Carr, vista pelo ângulo das recordações de sua neta (Suzanne Maddock). Toda a história vai sendo construída pelo cineasta através das cartas, dos recortes de jornais, documentos antigos e um punhado de terra, deixados por Carr, após a sua morte. Assistir ao filme permite compreender um pouco mais sobre a Guerra Civil Espanhola mantendo os sonhos de liberdade e na esperança de ver concretizada mudanças radicais nas sociedades.
O diretor Loach através de um momento histórico importante levanta questões que ajudam a analisar não só o passado, mas que também serve de base para discutir o debate político contemporâneo. No filme o cineasta faz uma abordagem crítica da Guerra Civil, de uma triste realidade e mostra possibilidades de construir uma nova ordem social, fundada na autogestão. Contudo, para Viana somente a participação da sociedade civil não é o suficiente para se definir que se há ou não autogestão. O autor comenta que pensar a autogestão como relação de produção deriva da generalização de que todas as relações em sociedade partem de um conceito “antecipador”, já que “o conceito de autogestão não expressa nenhuma realidade já existente”. (VIANA, p. 63)
Mas a Guerra Civil Espanhola, com certeza expressou uma realidade: a concretização de um sonho. Um modelo de autogestão, talvez o mais significativo deste século. Percebe-se que para o autor existem várias formas de compreender o que é autogestão, mas o recorte feito por Viana através da perspectiva de autores como Marx e Pannekoek, parte do conceito de autogestão, mas sem se afastar da história da sociedade. O professor Viana traz ainda a contribuição dos autores A. Guillerm e Y. Bourdet (1976) de que é preciso conhecer esta diferença: a ”autogestão não possui o mesmo significado que participação, co-gestão, controle operário ou cooperativismo”. (VIANA, p.64)
No filme “Terra e Liberdade”, além do tema da guerra civil, a trama mostra o início de uma revolução civil, na qual os grupos de esquerda se apropriam das terras e das propriedades no intuito de mostrar a necessidade e viabilidade da socialização dos meios de produção. Em virtude da complexidade dos elementos trazidos pela revolução social bem como o peso que este conflito gerou na sociedade é possível que se faça um questionamento: - como comparar o filme com o texto do autor Nildo Viana? Será que a concepção de entendimento de Democracia e Autogestão para o autor é a mesma verificada durante o movimento revolucionário?
No texto, Viana comenta que Democracia e autogestão podem ser vistas como opostas ou complementares. Do conjunto de teóricos que defendem a tese de complementaridade entre estes dois conceitos, o autor destaca a contribuição de Carlos Nelson Coutinho, filósofo marxista e professor de Teoria Política da UFRJ entende que a democracia é “indispensável à realização do socialismo e o socialismo é condição necessária ao pleno desenvolvimento da democracia”. (COUTINHO, entrevista/2008)
Coutinho, a partir da Tese de Lênin e Trotsky de que com a queda do poder da burguesia, o proletariado iria chegar ao poder retoma outros autores, como Rosa Luxemburgo, Max Adler, Otto Bauer, para justificar o seu pensamento, já que sua tese de dualidade dos poderes defende a existência do poder do proletariado e o poder da burguesia. O primeiro representado pelos conselhos de operários, “os sovietes” e o segundo simbolizado no texto pela figura do Estado.
 No filme o diretor Loach busca analisar quais os motivos que ocasionaram o fracasso da Revolução, já que tudo indicava que os trabalhadores poderiam escrever a sua história, modificar suas vidas e transformar a sociedade. A postura crítica de Loach está visivelmente comprometida com a realidade no filme e nos ajuda a entender porque não se saiu vitorioso deste acontecimento. Esta mesma postura está presente em Viana, ao comentar que “segundo Coutinho, é preciso ir além da concepção restrita de Estado e de revolução explosiva para constituir uma concepção ampliada de Estado”. (VIANA, p. 59)
O cineasta destaca os personagens do filme como agentes capazes de transformar a sociedade, sendo que para que isso aconteça é necessário abolir o Estado. Diferentemente da opinião de Coutinho, presente no texto de Viana, de que é necessário promover “reformas” nas estruturas. A análise do autor está focada na forma como o Estado se relaciona com as classes sociais, argumentando que a organização de uma sociedade autogerida é consequência de uma democracia representativa.
Para o autor existem duas formas de conceber a autogestão: a primeira como uma forma do trabalhador se organizar dentro da sociedade capitalista. Este trabalhador continua submetido ao Estado, às leis e ao mercado, que para Viana, essa ainda é uma forma limitada de organização. E a segunda como uma forma de negação da sociedade capitalista, que fundamentada no marxismo é a posição defendida pelo sociólogo. Segundo Viana, qualquer modo de produção possui uma determinação expressa pela “relação de produção capitalista” fundamentado na sociedade capitalista – “o capital não é só os meios de produção mas é, fundamentalmente, uma relação social, uma relação de produção.” (VIANA, p. 08)
O professor Viana traz ainda a posição antagônica de que a autogestão seria uma relação de produção, na qual os próprios trabalhadores seriam responsáveis por gerir o processo de produção, que em Marx autogestão seria a “livre associação dos produtores”. O autor finaliza o texto comentando que a “democracia representativa fora do capitalismo é um anacronismo” e traz sua concepção de autogestão - um conceito distinto e incompatível com as relações sociais capitalistas. Portanto, para Viana a autogestão é um sonho possível de se realizar no sentido de proporcionar ao trabalhador a liberdade tão desejada.

Referências Bibliográficas:

COUTINHO, C. N. Socialismo e Liberdade. Disponível em: <http://www.socialismo.org.br/portal/filosofia/154-entrevista/635> Acesso em 07 nov.2011.Entrevista concedida a Fundação Lauro Campos, em 15 nov. 2011.

VIANA, Nildo. Democracia e Autogestão. S.d. Disponível em: <www.achegas.net/numero/37/nildo_37.pdf>

QUINSANI, R. H.; Revolução em película: as disputas e conflitos no interior do processo revolucionário a partir de Terra e Liberdade. Artigo publicado no Caderno de Pesquisas, Florianópolis, v.11, n.99, p. 111-147, jul 2010.

Terra e Liberdade (Land and Freedom, 1995). Diretor: Ken Loach. 109min.


Um comentário:

  1. Muito interessante seu texto, demonstra a importância de filmes alternativos com visões diferentes da "potência" Norte Americana, que conta a história através de suas próprias lentes, e em muitos casos deturpam as realidades ocorrida.
    A autogestão é sistema possível de ser alcançado, no entanto como nascemos no capitalismo e adquirimos conceitos burgueses e o conhecimento é restrito a elites, fica complicado difundir esses idéiais. No entanto a sociedade é dinãmica e está em constantes modificações, desta forma não parece ser uma mera utopia a auto-organização dos trabalhadores!!!
    Abraço.

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