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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Autogestão: prática e teoria

Gabriel Claro da Rosa
Acadêmico do 4º semestre do curso de Licenciatura em Ciências Sociais da UFFS
Campus de Erechim

O presente artigo possui como base o artigo Democracia e Autogestão, escrito pelo professor Nildo Viana, onde o mesmo expõe algumas concepções sobre democracia e autogestão, que por vezes podem ser conceitos antagônicos, por vezes complementares. E também como auxiliador de reflexão o filme La Cicília, a historia real de um grupo de anarquistas italianos que fundam uma colônia anarquista no interior do Brasil.
A experiência anarquista apresentada no filme é um tipo de autogestão livre de qualquer forma de governo, o que Viana chamaria de uma “democracia direta”. A democracia direta diferentemente da “democracia moderna”, ou seja, uma democracia representativa, cada individuo fala por si, é responsável por si, não tem que obedecer um senhor ou qualquer outra figura de autoridade. Por mais que por vezes no decorrer do filme seja possível observar que alguns dos membros da colônia mostrem-se propensos a estabelecer certo grau hierárquico perante seus camaradas, seja isso de forma apenas teórica, ou mesmo, pratica. Tal fato fica mais evidenciado ao nos portarmos a condição submissa que algumas mulheres ocupam perante seus maridos.
Nildo define autogestão como sendo uma:
Relação social específica, uma relação de produção, o que significa relação de trabalho e de distribuição. Autogestão seria a decisão coletiva dos produtores sobre o processo de produção, isto é, os próprios produtores iriam gerir o processo de produção. (VIANA, s.d)
Infelizmente no que tange as Ciências Sociais, nem sempre teoria e pratica caminham lado a lado, não é por uma simples questão de formalidade algumas que teorias são divididas em real e teórico. Com a colônia de La Cecília não foi diferente, o processo de produção gerenciado pelos próprios produtores não se saiu tão bem quando em teoria, primeiramente porque nem todos os indivíduos que lá estavam eram produtores rurais e sabiam como trabalhar a terra, vemos no filme passagens claras de desentendimento entre o grupo, onde alguns queriam descansar e outros trabalhar. Como resolver tal impasse, no filme, a solução foi cada um fazer seu próprio ritmo de trabalho, porem mais a frente vemos que a discussão não para por ai, e sim, gera uma nova questão, como dividir os frutos do trabalho coletivo, tendo em vista que alguns trabalharam mais que outros?
 Há problematizações que são praticamente impossíveis de serem resolvidas no âmbito da pura conversa, mesmo a colônia La Cicília sendo uma pequena propriedade de pessoas com uma mesma ideologia e vontade, apresentou questões de difícil solução. Sendo assim, podemos nos indagar, qual seria a melhor forma de governo, uma democracia direta onde todos são livres e possuem voz ativa no processo decisório, ou uma democracia representativa, onde apenas alguns possuem a oportunidade de falar em nome de outros?
 As duas formas de organização possuem seus prós e contras, entretanto o que nos vale é analisar qual delas é verdadeiramente viável, ou seja, qual dessas formas de organização social é possível aplicar nos dias de hoje e com reais chances de sucesso. Quais quer outras formas aparentemente possíveis, por melhor que sejam, não serão nada além de meros ideais a serem seguidos.
 Haja vista que possíveis organizações autogestionadas são independentes umas das outras, cabe a cada organização ter muito claro para si os seus objetivos no que tange “justiça” e “eficiência”. Será possível tais conceitos serem levados a prática sem que um entre em detrimento de outro?
 O sistema capitalista busca ser eficiente, porem para tal fim, nega uma visão justa. Seu objetivo é a produção em grande escala, e nisso é inquestionavelmente eficiente, entretanto ao se tornar eficiente causa por consequência direta e indireta grandes injustiças. Seja pela exploração de trabalhadores, seja pela inócua divisão de seus resultados.
 Comunidades auto-organizadas seriam capazes de realizar a produção de seus bem de consumo mais básicos de forma a suprir as necessidades de todos os seus membros? Teorias que embasam o pensamento da auto-organização se encontram fundamentalmente calcadas no tratamento e divisão igualitárias entre todos os seus membros, ou seja, justiça.
 Hobbes concebe a justiça como um valor presente na razão humana, que após a criação do Estado, exerce um papel mantenedor e decisivo em sua filosofia política na medida em que permite a estabilidade dos pactos entre os homens(Santos, 2007). Entretanto, em uma comunidade autogestionada não há a presença do Estado, então qual filosofia politica iria ser seguida, ou ao menos haverá alguma a ser seguida?
 Assim como Robert Dahl fala, a democracia é um ideal a ser alcançado, devemos tentar nos aproximar na pratica ao máximo do que achamos que é o perfeito. As questões a cerca de uma democracia “justa” e “eficiente” estão longe de serem sanadas, mas as materializações da autogestão nos ajudam a pensar quais a formas a se chegar a esse ideal.


REFERÊNCIAS


COMOLLI, Jean-Louis. La Cecília. 1975
DAHL, Robert A. (2005). Democratização e Oposição Pública. In DAHL, Robert A. Poliarquia. São Paulo: Edusp
Santos, Murilo Angeli Dias dos. O conceito de justiça em Thomas Hobbes e suas conseqüências jusfilosóficas. São Paulo, 2007. [online] Disponível via internet WWW.URL: <http://www.usjt.br/biblioteca/mono_disser/mono_diss/034.pdf> Arquivo capturado em 29 de novembro de 2011.
VIANA, Nildo. Democracia e Autogestão. Goias, s.d.[online] Disponível via internet WWW.URL: < http://www.achegas.net/numero/37/nildo_37.pdf> Arquivo capturado em 29 de novembro de 2011.

Um comentário:

  1. É isso ai Gabriel, apesar de todas as contradições, acredito que a colônia Cecília é uma grande experiência a ser analisada, a ser pensada como uma alternativa para o que conhecemos hoje como democracia. Parabenizo o camarada por ter atentado para a relação de subarternidade existente entre algumas famílias, no que diz respeito ao home - mulher - filhos. Realmente, se formos buscar uma outra forma de sociabilidade, acredito que toda e qualquer forma de relação de poder tem que ser abolida. Quebar com essas "pequenas" relações de poder, que muitas vezes nos passam despercebidas, é tão importante quanto buscar uma democracia plena. Quanto a "eficiência" do capitalismo, é como o camarada mesmo disse, é consquistada em detrimento de muitas pessoas, sob muita injustiça. Já pensando nas comunidades auto-organizadas, entendo que a divisão igualitária de toda a produção é uma questão delicada, visto que trata-se diretamente do trabalho comunal. É nesse ponto, que vejo o quanto faz-se necessario a superação de muitas das formas de pensar que hoje permeiam nosso imaginário social, e de uma forma ou outra, muitas vezes tendem a obscurecer outras formas de pensar.

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