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terça-feira, 29 de novembro de 2011

Disputa pelo controle da Espanha – Democracia x Autogestão

Luciano Andre Perosa
Formado em História - Licenciatura e Bacharelado - pela PUC-RS
Licenciando do curso de Ciências Sociais da UFFS de Erechim

Ao final da década de 20, para ser mais preciso, na terça-feira negra do dia 29 de outubro de 1929, a Grande Depressão varreu os Estados Unidos e a Europa. A Espanha, neste período, passava por uma grave crise política e econômica e estava sobre o comando do ditador Primo de Rivera. Contudo, um forte movimento pela democracia ganhou força em todo país, levando a renuncia do mesmo em janeiro de 1930, que fugiu para Paris, onde morreu sete semanas depois.
O rei Afonso XIII teve uma nova oportunidade de reassumir o poder, porém, fracassou. A Igreja Católica não acreditava que pudesse proteger a Espanha dos anarquistas. Todos estavam preocupados com o fantasma da democracia, no qual o comunismo poderia se infiltrar. Nas ruas, manifestantes exigiam eleições, muitas vezes apoiados por divisões das Forças Armadas.
O cenário estava armado, mas foi no outono de 1930, que dois grupos até então inimigos – os republicanos e os socialistas – concordaram em unir esforços para abolir a monarquia e estabelecer uma República democrática.
As eleições municipais marcaram o triunfo da República. O povo dançava e bebia pelas ruas, em homenagem a “La Niña Bonita” – a Garota Bonita –, nome carinhoso com que designavam a Nova República Espanhola. Enquanto isso, o rei Afonso XIII se exilou na Itália.
Entretanto, a Espanha passou a sofrer ataques anarquistas, que usavam a violência para demonstrar sua oposição à criação da República Espanhola. O governo nomeou o General Sanjurjo para reorganizar os 30 mil guardas civis, criando uma milícia especial, os asaltos, treinados para reprimir rebeliões nas grandes cidades. A violência policial aumentou rapidamente. Para acalmar a população, o governo anunciou eleições gerais, para as Cortes, a serem realizadas no dia 28 de junho de 1931.
Como se previa, os últimos conservadores foram varridos das Cortes, substituídos por socialistas moderados e republicanos progressistas, que logo elaboraram uma Nova Constituição Republicana. A mesma ficou pronta em Dezembro de 1931 e, continha garantias como: igualdade perante a lei, o sufrágio universal, separação entre Estado e Igreja, educação primária gratuita e obrigatória, direitos trabalhistas entre outros.
Os generais, entre eles, Franco e Sanjurjo, acreditavam que o novo governo não duraria para sempre e, quando caísse, os monarquistas e conservadores poderiam restabelecer o poder. Somente uma revolução socialista faria com que o governo deixasse de servir aos ricos senhores de terras e os industriais. Por isso, Sanjurjo, cansado de esperar, organizou um grupo de oficiais do Exército, e preparou um golpe. Aliaram-se aos monarquistas e à Igreja, tomaram o controle de Sevilha. Depois de uma rápida vitória, subestimaram, porém, as forças populares que desejavam manter a democracia. Estes lutaram bravamente para não permitir um golpe militar. Sanjurjo decepcionado com o fracasso tentou escapar pelo litoral, foi preso e condenado à morte, mas morreu anos depois num acidente aéreo.
Com as forças republicanas e socialistas acumulando fracassos no governo, muitas pessoas se afastavam da política. A Espanha tendia a direita. Foi então que surgiu em 1933, José María Gil Robles, admirador do líder nazista Adolf Hitler. Gil Robles organizou um novo e poderoso grupo de oposição – CEDA – Confederação Espanhola das Direitas Autônomas. Em 1933, a CEDA venceu as eleições gerais, conduzindo Gil Robles e mais 110 deputados ao parlamento.
Foi em meados do segundo semestre de 1933 que, José Antonio Primo de Rivera, filho do ditador morto, organizou a Falange, um partido fascista, que pretendia controlar o país com mãos fortes. Entre suas principais medidas, podemos citar: fim às liberdades individuais, abolir os sindicatos e organizar grupos militares.
Novas insurreições tomaram conta da Espanha. Gil Robles e os membros da CEDA preparavam-se para iniciar o massacre, bastaria provocar os mineiros de Astúrias e seus aliados, radicais opositores do governo. Foi neste período que Francisco Franco começou a se destacar como grande estrategista militar. Franco se encontrou com o ministro de guerra, Diego Hidalgo, e disse que a Espanha não possuía Exército capaz de derrotar os mineiros. Apenas as tropas de choque do norte da África poderiam se encarregar disso. A Legião Estrangeira Espanhola e os Regulares marroquinos desembarcaram nas Astúrias cantando o lema: “Viva a morte”. Imediatamente iniciaram o bombardeio com aviões, enquanto os tanques massacravam por terra. Os mineiros resistiram por duas semanas e somente quando a munição se esgotou que ofereceram a rendição.
Franco não obedeceu à ordem de retirada. Além disso, rearmou suas tropas durante um mês e atacou numa campanha de terror sistemática para dizimar a oposição. Este episódio morreu mais de 1000 mineiros, enquanto 30 mil foram presos e torturados. As mulheres foram violentadas e metralhadas juntamente com as crianças. Gil Robles tornou-se o novo ministro da guerra, e indicou Franco para chefia do Estado Maior.
Foi durante o mês de janeiro de 1936, que o povo espanhol se envolveu numa brutal campanha militar retratada no filme Terra e Liberdade. O massacre nas Astúrias e reestruturação das forças armadas haviam mostrado aos republicanos o perigo do crescimento da direita. Contudo, os republicanos, socialistas, comunistas uniram-se numa coalizão e criaram a Frente Popular, cujo objetivo era impedir que a direita ganhasse o poder. Essa união era formada pela União dos Trabalhadores da Estrada de Ferro; CNT – da União Anarquista; POUM (Partido dos Trabalhadores de Unificação Marxista); FAI. Já o grupo de direita também havia se unificado para as eleições contra a Frente Nacional, que incluía o CEDA, os monarquistas, latifundiários, empresários e à Igreja Católica. Francisco Franco apoiou à direita porque queria a restauração dos poderes das Forças Armadas.
A vitória esmagadora da Frente Popular gerou protestos da direita que tachou a eleição de ilegal, novamente o cenário estava armado com violência. Assim que os votos foram contados, a conspiração recomeçou. Desta vez, Franco estava disposto a participar, junto com três generais rebeldes: Emílio Mola Vidal, Manuel Goded Llopis e Sanjurjo. Porém, as informações do golpe vazaram e, os líderes da República prenderam José Antonio Primo de Rivera. O partido falangista foi posto na ilegalidade. Franco foi exilado na ilhas Canárias, 1300 km a sudoeste da Espanha. Antes de partir, Franco se despedir do presidente Alcalá Zamora que lhe disse: “Não se preocupe, general, não se preocupe... não haverá comunismo na Espanha” (PASSOS, 1987, p. 47). E o general gritou: “Disso tenho certeza... e posso lhe garantir que, quaisquer que sejam as contingências, estejam eu onde estiver, jamais haverá comunismo” (Idem, 1987, p. 47).
Cauteloso Francisco Franco fazia planos para chegar ao topo do poder, mas para isso, seria necessário usar uma arma especial, a estratégia. Primeiro passo seria sair das ilhas Canárias, atravessar o Atlântico até Marrocos e, então, transportar milhares de homens para a Espanha. A primeira parte foi fácil, um piloto contratado levou Franco até o Norte da África. Em Tetuán, na África, um repórter perguntou-lhe quanto tempo duraria o massacre. Franco respondeu: “Não pode haver acordo, não pode haver trégua... salvarei a Espanha do marxismo, a qualquer custo... eu repito: a qualquer custo!” (Idem, 1987, p. 50).
Franco imobilizado com seus soldados na África contou com alguns acontecimentos favoráveis. Sanjurjo morreu em um misterioso acidente aéreo. Goded foi capturado em Barcelona. O único rival de Franco na liderança da revolta era Mola, que estava muito bem posicionado em território espanhol. Contudo, o estrategista Franco solicitou apoio de Mussolini e Hitler para que lhe enviassem aviões de transporte, sendo amplamente atendido e, assim, conseguiu transportar seu exército.
Hitler atendeu ao pedido de Franco, mas impôs condições: “Em primeiro lugar, para evitar o avanço do comunismo; em segundo, para testar alguns detalhes técnicos da jovem Luftwaffe” (Idem, 1987, p. 52) – Legião Condor – Força Aérea Alemã. Aproximadamente 500 mil de espanhóis serviram de cobaias humanas no teste do primeiro bombardeio sobre população civil em grande escala. O episódio foi retratado uma obra memorável do pintor Picasso, denominada de Guernica.
Em 27 de abril de 1937, o Times publicou esta notícia: ‘Ontem à tarde, Guernica foi totalmente destruída por um ataque aéreo. O bombardeio da cidade durou três quartos de hora. Nesse tempo, uma esquadrilha de aviões lançou bombas de até 500 quilos, enquanto os caças metralharam os habitantes que saíram fugindo. Tudo ficou envolto em chamas’ (MARQUÉS, 2007, p. 70).


Guernica, 1937, óleo sobre tela, 349,3 x 776,6 cm – Madri: Museu Reina Sofia

Aqui não há heróis, só vítimas, não há natureza, só ruas arrasadas; não há dignidade nem na vitória nem no perdão, só a atrocidade do está impiedosamente arrasado; não há soldados, guerreiros, lutadores, só a violência mais desmedida [...], Picasso renuncia à representação da reportagem do bombardeio. O artista narra o gesto de dor, a impotência, o desamparo, o medo, a tragédia e a crueldade da guerra. O horror de Guernica ficou presente na consciência coletiva (Idem, 2007, p. 68-72).
           
A Guerra Civil Espanhola teve início entre 17 e 18 de julho de 1936, e terminou em 1º de abril de 1939, com a instauração de um regime ditatorial, baseado no caráter fascista, quando Franco anunciou aos entusiasmados monarquistas e nacionalistas que se tornara generalíssimo (comandante supremo das Forças Armadas) e chefe do Estado, com autoridade suprema sobre a nação. Conforme podemos comprovar na seguinte citação: “General e colegas generais. Podem ficar orgulhosos. Receberam uma Espanha dividida e agora me entregam uma Espanha unida em torno de um grande ideal. A vitória está do nosso lado (...). Não falharei. Levarei a pátria ao topo, ou morrerei na tentativa.” (Francisco Franco)[1]
O filme “Terra e Liberdade” nos mostra este contexto histórico, de um lado o Exército fascista e de outro a classe de operários e sindicalistas que tinham o objetivo de tornar a Espanha livre dos antigos moldes. Além disso, é baseado na experiência do autor de “A Revolução dos Bichos”, George Orwell. Esse autor participou na Guerra Civil Espanhola e escreveu o romance “Home­na­gem à Cata­lu­nha” que serviu de inspiração para o filme.
Durante se desenrola o filme, percebe-se que o jovem protagonista largou tudo para participar de uma causa maior, aqui vemos o conceito de “participação” que aparece no texto do Viana, quando distingue as formas de autogestão. O jovem passa lutar juntamente com os camaradas do POUM.
Participação não significa autogestão, pois ela significa participar de algo já existente, ou seja, de uma atividade que possui estrutura e finalidade próprias (VIANA, 2003, p. 64).

Tais grupos de comunistas, anarquistas, socialistas, uniram-se com o objetivo de combater o Fascismo, numa “arena onde se desenvolve a luta de classes” (Idem, 2003, p. 62). Isso fica evidente em muitas partes do filme “Terra e Liberdade”. Além disso, tem uma parte do filme que fica evidente o debate da autogestão, quando se reúnem na casa de “Don Julian” para discutir a coletivização da comida, pois as tropas fascistas invadiram a aldeia e não deixaram nada de alimentos. A ideia é a coletivização das terras de “Don Julian”. Inicia-se um debate sobre esse tema, sendo que para manter a revolução caminhando seria necessário coletivizar as terras. Todos trabalhariam juntos para assim construir uma sociedade nova.
A autogestão seria a decisão coletiva dos produtores sobre o processo de produção, isto é, os próprios produtores iriam gerir o processo de produção. A autogestão é uma relação social fundante de uma nova formação social, uma nova sociedade. Nesta perspectiva, a autogestão seria um processo de autogoverno, ou uma ‘livre associação dos produtores’, segundo expressão de Marx (Idem, 2003, p. 60).
Além dos próprios cidadãos espanhóis que lutaram por seus direitos, é importante salientar que tiveram também movimentos de comunistas e democratas, provenientes dos mais diversos países do mundo – França, Inglaterra, Itália, Alemanha, Rússia, Hungria e incluindo na América (Estados Unidos, Canadá, Brasil, Argentina e Uruguai) –, todos se engajaram na luta comum no território espanhol contra o Exército Fascista de Franco.

Eis que fica a pergunta: como Franco obteve vitória? Além de hábil estrategista, como já vimos, conseguiu apoio de Hitler e Mussolini não apenas para efetuar o transporte das tropas, mas acima de tudo, para obter suprimentos ilimitados do exterior, principalmente do Exército Nazista.
 No período que Franco subiu no poder na Espanha, a ascensão do nazismo na Alemanha ganhava força.
Hitler já havia incorporado o ditador fascista da Itália, Benito Mussolini, em seus projetos imperialistas. Os dois líderes cuidavam de ajudar a insurreição nacionalista na Espanha, enviando armas sofisticadas e tropas de combate. Liderada pelo General Francisco Franco, essa rebelião militar pretendia depor o governo republicano, acabando com a frágil democracia espanhola (PASSOS, 1987, p. 7).
No filme fica evidente as cenas de conflitos em várias regiões da Espanha. Mostra que o Exército Fascista tinha armas e que os revolucionários estavam com artilharias precárias e restritas, facilitando sua queda. O que pouco sabem, e que não é tratado no filme, é que o final da Guerra Civil Espanhola, deixara um saldo de quase um milhão de mortos. A pergunta que fica: quantos mortos e desaparecidos ficaram ao final da ditadura militar de Franco? 
Para finalizar, quero salientar que tanto no filme “Terra e Liberdade”, como no texto do Viana – “Democracia e Autogestão” –, fica evidente que a proposta de Autogestão tem tudo pra dar certo, como: três anos na Catalunha na Espanha, Ucrânia, Iugoslávia, Chiapas no México; desde que tenha a cooperação de todos sem benefícios próprios. Contudo, a democracia atual com seu sistema de capitalismo pode prejudicar de certa forma a Autogestão.

REFERÊNCIAS


MARQUÉS, María José Mas. Coleções Gênios da Arte. v. 4. Picasso. São Paulo: Girassol, 2007.

PASSOS, Silvia C. Os Grandes Líderes: Francisco Franco. São Paulo: Editora Nova Cultura, 1987.

VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003.


[1] PASSOS, Silvia C. Os Grandes Líderes: Francisco Franco. São Paulo: Editora Nova Cultura, 1987, p. 59.

2 comentários:

  1. O texto do colega contextualizou historicamente, de maneira clara, os fatos que levaram à situação retratada no filme, sobretudo ao descrever o papel repressor da direita espanhola na época em questão. Parece-me que naquela época estava mais evidente, tanto para setores progressistas quanto para setores conservadores da população, que a democracia plena só seria atingida com a democracia econômica (contexto que provocava temor na direita política e entusiasmo em certos setores da esquerda). E a autogestão das classes trabalhadoras é considerada um caminho para alcançar essa democratização efetiva (através da superação do modo de produção capitalista, bem como de qualquer hierarquia política), apesar de tal interpretação não ser considerada da mesma maneira pelas esquerdas (como se pode comprovar pela organização hierárquica das brigadas stalinistas na guerra em questão).
    Ao se fazer um paralelo com o contexto atual, pode-se dizer que a exacerbação da lógica consumista mascara, e muito bem, a necessidade da ampliação da democracia e da auto-organização da população, apesar dos sempre presentes protestos anti-establishment. Quantas crises ainda terão que vir? Será que o sistema vai ter que ruir para as pessoas começarem a pensar em outra lógica de produção e consumo?

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  2. Excelente texto, Perosa! O além de você ter feito uma grande contextualização histórica da época, não ficou restrito a escritos e filmes: foi até as artes. Em seu texto, ficou muito claro que caso não tivesse uma ajuda externa (tanto do Hitler quanto do Mussolini),a probabilidade das tropas de Franco de ganhar a guerra seriam infinitamente menores, quase nulas. Outra coisa importante que eu percebi que influenciou e muito na desfecho da guerra e que você comentou em seu texto foi a precariedade das armas dos milicianos.

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