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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Reflexões acerca do processo de democracia e autogestão no filme Terra e Liberdade

Leidiane Aparecida da Cruz
Acadêmica do 4º semestre do Curso de Licenciatura em Ciências Sociais
UFFS - Campus de Erechim 

Pode-se dizer que na Espanha o século XIX foi um período em que ocorreram lutas e conflitos, sob um pano de fundo de expansão industrial, porém tais condições econômicas não refletiram em questões como desigualdade social, cresce com isso o movimento operário e se espalha pelo país. Neste contexto o movimento anarquista torna-se uma tendência política difundida entre os trabalhadores, com um viés anarcosindicalista, a disputa se deu entre dois grupos com ideologias diferentes, de um lado as forças do nacionalismo e do fascismo e do outro a frente popular que formava o governo republicano, ou seja, uma disputa entre as instituições tradicionais da Espanha versus a classe popular representada por sindicatos, partidos da democracia e de esquerda.
Ao recorrer a literatura para contextualizar e analisar questões referentes a guerra civil espanhola num debate que anseia discutir  a democracia e autogestão,o filme Terra e Liberdade retoma elementos do contexto da guerra civil e apresenta o conflito ocorrido no território espanhol quando de uma disputa de poder entre a democracia e o fascismo,camuflando questões chaves como o processo revolucionário que ocorreu no interior do movimento operário da época.
O filme evidencia uma disputa durante a guerra de dois projetos sociais e político diferenciados e antagônicos: a restauração da velha republica e por outro lado a defesa da revolução. Milhares de homens e mulheres, espanhóis e estrangeiros, lutaram e morreram não apenas em um combate contra o fascismo, mas também na defesa da construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Em cenas do filme o Partido Obrero da Unificación Marxista(POUM),vive na figura de alguns de seus personagens o dilema da luta pela democracia por meio da revolução,vivenciando durante a guerra civil um processo de decadência e de uma trágica derrota do partido revolucionário da época.cabe dizer que tais organizações,operarias,que atuavam na Espanha eram socialistas e anarcosindicalistas.
Ao fazer a opção pela guerra,quando da ida de David (personagem do filme britânico) para a Espanha,fica visível a idéia de que para o grupo de revolucionários não era apenas o destino de um país que estava em jogo, mas sim a liberdade e a democracia mundiais que estavam sendo ameaçadas por uma ascensão do regime fascista na Europa.
O filme retrata os conflitos, os medos, as contradições vividas pelos protagonistas quando de suas transformações e mesmo em meio a diferentes origens geográfica,territórios em particular e políticas tão dispares,compreende-se no enredo que uma causa em comum une o grupo, ao analisar as ações produzidas há elementos fundamentais presentes nas situações do filme para uma possível compreensão do que foi a natureza socialista da revolução espanhola.
Uma ligação com a teoria de Viana nos remete a uma reflexão dos acontecimentos vividos no filme,quando das assembléias constituídas pelos camponeses,seria este um exemplo de autogestão? Na medida em que tais atores sociais organizam suas ações a partir de uma coletivação, da socialização das terras, os meios de produção tornam-se coletivos tanto na cidade como no campo entre os camponeses milicianos e os operários.
Viana no seu artigo Democracia e Autogestão aponta elementos em comum com os citados no filme Terra e Liberdade, o autor nos remete a um pensar a cerca do que é democracia e do que é autogestão. Em muitos momentos desmistifica a idéia de que estes dois termos ora se complementam ora se afastam, ao fazer um parâmetro entra algumas cenas do filme e partes do artigo de Viana, é possível encontrar pontos em comum quando da ideia da democracia direta, presente nas assembleias e decisões camponesas no filme, já que esta é conceituada como democracia de base e tem sua fundação nos partidos operários presentes no filme.
Temos uma visão de autogestão também comum no artigo e no filme quando do conceito de:
A autogestão seria uma relação social específica, uma relação de produção, o que significaria relações de trabalho e de distribuição. A autogestão seria a decisão coletiva dos produtores sobre o processo de produção, isto é, os próprios produtores iriam gerir o processo de produção. A autogestão é uma relação social fundante de uma nova formação social, uma nova sociedade. (VIANA, s.d, p.3).

Outro elemento que caracteriza a democracia no filme diz respeito a organização partidária das ações revolucionarias,sustenta-se tal afirmação em Viana quando este afirma que historicamente a democracia moderna foi censitária e a partir das lutas operarias do século 19 ela passa a se organizar sob forma de partidos e passa a se tornar uma democracia burocrática e seu real sentido “governo do povo”perde forças nas sociedades capitalistas.
O filme traz a tona o papel das milícias no contexto de guerra, baseadas numa organização participativa onde as decisões tinham um peso no coletivo, foram construídas em símbolos da revolução, e não se pode negar que as milícias eram o reflexo da sociedade revolucionaria, mais igualitária a que aspiravam seus combatentes, Viana conceitua a participação como a inserção de um individuo a um grupo pré-existente, com isso pode-se dizer que o caráter estruturalista e de finalidade própria existentes nas milícias as caracterizam sob esta ótica de ações participativas dentro da democracia e não propriamente autogestoras como pode equivocadamente afirmar.
Assim ao reconhecer a historicidade da sociedade, as guerras e os conflitos que nos levam a refletir sobre conceitos como democracia e autogestão, é possível pensar a autogestão sob a mesma ótica que o autor nos direciona quando de um conceito que permeia as relações sociais e impossíveis de serem visualizadas numa democracia representativa.

Referências bibliográficas:

HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século  XX 1914-1991.São Paulo: Companhia das Letras,1995.
VIANA, Nildo. Democracia e Autogestão. S.d. Disponível em: www.achegas.net/numero/37/nildo_37.pdf
Terra e Liberdade (Land and Freedom, 1995). Diretor: Ken Loach. 109min.

Um comentário:

  1. Trabalho muito bem elaborado, com moldura histórica do contexto. Com uma pitada de malícia na escrita, o que é marca da autora, incita o leitor a novos questinamentos sobre o que está dado.Com a facilidade de dançar com as palavras Leidi como que inventando novos passos para a antiga dança se move entre o posto e o pressuposto com destreza de uma bailarina no salão de cenário político muito bem decorado por ela.Parabéns, faça sempre o uso ético das palavras que tão bem dominas.

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