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terça-feira, 16 de agosto de 2011

EM DEFESA DA HUMANIDADE



Matildes Regina Pizzio Tomasi[1]

“Defensor da igualdade, falarei sem ódio nem cólera, com a independência própria do filósofo, com a calma e a segurança do homem livre. Pudesse eu, nesta luta solene, levar a todos os corações a luz que me ilumina e mostrar, pelo êxito do meu discurso, que se a igualdade não pôde vencer pela espada é porque deve vencer pela palavra!”
 (Proudhon)


Nas diferentes fases da história sempre vimos alguns povos se sobrepondo a outros, exercendo domínio e destruindo culturas. Atualmente não é diferente, ainda vemos as grandes potências econômicas interferindo e estabelecendo regras para o modo de produção nas diversas Nações Mundiais. Portanto, continuam dominando e subjugando os mais fracos. Para barrar esta inversão de valores, na qual os menos esclarecidos acabam por legitimar e ceder soberania às culturas imperialistas acredita-se em uma educação libertária, na qual o sujeito possa reconhecer-se como indivíduo autônomo e senhor de sua própria vontade.

Inicialmente é necessário descontruir falsas ideias e conceitos pré-estabelecidos que tomem como verdade, por conta de uma educação direcionada a criar cidadãos obedientes e limitados aos padrões de uma sociedade individualista. Precisamos abolir toda e qualquer instituição que condiciona o indivíduo, rejeitando os seus valores e princípios e criar uma nova forma de ver a realidade na qual estamos atuando. Até que ponto as nossas atitudes são decorrentes de nossa vontade ou daquilo que é esperado de nós? Somos realmente livres e donos de nossos desejos ou marionetes do capitalismo? Autores como Kropotkin e Proudhon são referenciais e esclarecedores a estas questões. Pois eles apresentam teorias que contradizem o sistema individualista e desenvolvimentista do qual estamos inseridos.

Para Kropotkin a sobrevivência de toda e qualquer espécie, seja no reino animal ou vegetal, inclusive a humanidade, se deu através da ajuda mútua. Por se ajudarem mutuamente as espécies criaram condições adequadas para resistirem a intempéries da natureza e aos ataques de animais ferozes. Que o instinto natural do ser humano é de solidariedade e fraternidade, sentindo-se melhor quando pode ajudar o próximo e contribuir para que o mesmo possa estar numa situação mais confortável. Apresenta estudos de pequenas comunidades na Europa e na Rússia, nas quais algumas famílias se organizaram em forma de mutirão, para atenderem as necessidades do coletivo a até mesmo as individuais. Tornando-se autossuficientes e capazes de coordenarem os trabalhos coletivamente para o bem comum da sociedade, inclusive atividades que seriam de responsabilidade do Estado, como manutenção de praças, pontes, estradas. Cita também como exemplo as grandes Catedrais Medievais, como obra de uma comunidade na qual todos participaram de alguma forma para a realização da mesma. Observamos que durante idade média, as obras de arte não eram assinadas por pertencerem à comunidade. O hábito de assinar as obras ocorreu no alvorecer da modernidade, quando o homem antecipa algumas das características modernas, o individualismo.
Para Proudhon a natureza humana é constituída de uma força embrutecida e dominadora, a qual precisa ser exercida e testada. Que o primeiro combate do homem foi com a natureza, por oferecer as condições ideais para testar sua coragem, paciência, virtude e o desprezo pela morte. Assim, segue por toda a história, sempre criando situações de guerra, pois a guerra atribui um sentido de justiça ao vencedor, ou seja, ele tem direitos sobre os vencidos. Ações que legitimam a guerra, a escravidão e o poder. Quando se apropria do poder, o homem, usa e abusa, cria uma série de medidas possíveis de garantir o sucesso e a continuidade do mesmo. Constituem-se formas de governo com a finalidade de manter a ordem na sociedade, consagrando e santificando a obediência, tornando-se absoluto e intransferível.
O governo tem nas mãos tudo o que vai e vem, o que se produz e se consome todos os negócios dos particulares, das comunas e dos departamentos; ele mantém a tendência da sociedade em direção ao pauperismo das massas, à subalternização dos trabalhadores e à preponderância sempre maior das funções parasitárias. Pela polícia, ele vigia os adversários do sistema; pelo exército ele os destroça; pela instrução pública ele distribui, na proporção que lhe convém, o saber e a ignorância; pelos cultos ele adormece o protesto no fundo dos corações; pelas finanças ele paga, em prejuízo dos trabalhadores, os custos dessa vasta conjuração. (PROUDHON, 1979, p. 54).

Para Proudhon as práticas de governo estão fundamentadas nos seguintes princípios: na perversidade original da natureza humana; na desigualdade essencial das condições; na perpetuação do antagonismo e da guerra; na fatalidade da miséria. Pois o governo, enquanto Estado e coordenador de todas as atividades humanas, apropria-se de tudo o que lhe convém, inclusive das instituições de ensino, controlando-as para que os saberes sejam mantidos como uma forma de poder restrito a um pequeno e seleto grupo de intelectuais. O que proudhon mais questiona e se posiciona contra é o princípio de autoridade e diz que é impossível que haja qualquer forma de governo sem a autoridade, pois a autoridade é o próprio governo em exercício, e para abolir um é preciso abolir o outro.
Kropotkin defende que precisamos fazer uma revolução de costumes e valores. Afirma também que ninguém pode ser dono de nada, pois todas as riquezas do mundo foram adquiridas e construídas com o esforço de muitos. Até mesmo os conhecimentos tecnológicos e científicos pertencem à humanidade, porque enquanto alguns tinham tempo livre para se dedicarem a o estudo, muitos trabalharam para sustentá-lo. E que enquanto alguns enriquecem, a grande maioria se encontra em situação de pobreza e miséria. E que é possível sim, criar uma sociedade onde todos possam trabalhar pelo bem comum e compartilhar as riquezas conquistadas. De acordo com os seus cálculos, cada pessoa precisaria trabalhar 4 horas por dia num período máximo de 25 anos, para suprir todas as suas necessidades, não precisará trabalhar para produzir excedente e nem para alimentar a máquina pública em seus diversos setores burocráticos. O que lhe daria tempo livre para se dedicar as atividades que julgar prazerosas ou ampliar seus conhecimentos nas áreas de seu interesse.
Portanto para que o homem possa exercer sua liberdade, precisa livrar-se destas instituições enganadoras, que prometem coisas que jamais irá cumprir. A Igreja promete salvação e vida eterna; a Escola promete conhecimento, que jamais teremos, pois, está regulamentado pelo Estado e tem a função de disciplinar e educar as crianças para se tornarem cidadãos obedientes e contribuintes; O Estado por sua vez promete proteção e garantia de direitos; o Capitalismo que promete a realização de todos os sonhos. Porém todas estas formas de sedução contém dentro de si o princípio da autoridade. Elas sempre negarão a liberdade e a igualdade, farão com que os homens se digladiem para tomar o poder e permanecer no comando.  Jamais obedecerão aos princípios de justiça, pois estes foram modificados, para criar o direito à propriedade.



Referências Bibliográficas:

KROPOTKIN, Piotr. Ajuda Mútua: um fator de evolução.  Tradução Waldyr Azevedo Jr. Ed. A Senhora: São Sebastião. 2009.

KROPOTKIN, Piotr. A conquista do pão.  CEL – Célula de Entretenimento Libertário - célula BPI – Biblioteca Pública Independente. 2006.

AVELINO, Gilvanildo Oliveira. Anarquismos e governamentalidade. PUC-SP. São Paulo; 2008.


[1] Acadêmica do 4º semestre do curso de Licenciatura em História da UFFS/Campus Erechim - 2011

2 comentários:

  1. Acredito que o texto apresentou de maneira bem sucinta alguns aspectos normativos do pensamento anarquista, apoiado principalmente nos argumentos de Kropotkin ("os conhecimentos tecnológicos e científicos pertencem à humanidade, porque enquanto alguns tinham tempo livre para se dedicarem a o estudo, muitos trabalharam para sustentá-lo") e Prodhoun. Além disso, tem uma visão bastante clara sobre como a ideologia capitalista tem influência na naturalização do individualismo e todos os valores derivados dele, difundidos através de instituições como a escola, a igreja, o sistema judiciário, a mídia, etc., sendo que "todas estas formas de sedução contém dentro de si o princípio da autoridade", que nega a autonomia do ser humano.

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  2. Matildes!!!!
    É isso aí. Acho que um dos elementos centrais do pensamento tanto de Proudhon quanto de Kropotkin é que o produto do trabalho humano não pode ser, de maneira alguma, individualizado, pois o ser humano, essencialmente como indivíduo, é um produto inquestionável da vida social, assim como todas as suas habilidades e capacidades de agir sobre o mundo estão em débido com as possibilidades de aprendizagem que o próprio mundo social lhe oferece!
    Por outro lado, esta vinculação do "princípio de autoridade" não só como elemento constituinte do governo como algo separado da comunidade, mas também como princípio de legitimação da apropriação privada da riqueza socialmente produzida é fundamental para nossa compreensão dos caminhos percorridos pelo mundo mundo moderno.
    Por fim, só um "toque". Tenho dúvidas sobre a possibilidade de abolir "tudo o que condiciona" o comportamento dos indivíduos. Acho até que não pode haver vida social sem "condicionamentos" (afinal, já nascemos com a sociedade formada). Talvez vale a dica do Adorno: a compreensão daquilo que nos condiciona como homens como forma de pelo menos lutar contra aquelas formas de condicionamentos que nos faz escravos, servos e subordinados...

    Bjao

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